domingo, 17 de novembro de 2013

MORADORES DE RUA: O RESGATE DA DIGNIDADE DE QUEM PERDEU TUDO.

Por Célia Ribeiro

Na tarde de sábado, depois do almoço caprichado onde não faltam carne e verduras colhidas na hora, a soneca é interrompida pelo burburinho que se ouve no pátio. O futebol está para começar e todos se dirigem à sala de TV em busca do melhor lugar. O aparelho de 50 polegadas, tela de LCD de última geração, conectado a uma antena parabólica da Sky transforma o espaço em uma sala de projeção confortável onde as torcidas são bem vindas, independente dos times do coração.
 
TV de LCD e som de primeira: futebol garantido
Esse conforto, comum aos grupos de amigos que se juntam em chácaras, bares e restaurantes na hora do futebol, também está disponível aos 65 internos da Fumares (Fundação Mariliense de Recuperação Social). A sala ampla e arejada com a ajuda de ventiladores possui equipamentos modernos de som e imagem onde os ex-moradores de rua assistem os noticiários, os filmes e o esporte que é paixão nacional.
 
Paulinho checa as plantas: muito verde dá vida ao lugar.
Criada em 1974 pelo ex-prefeito Pedro Sola, a Fumares enfrentou todo tipo de crise e nem sempre é bem vista por quem defende uma rápida solução para o grave problema social que representam os migrantes. No entanto, há oito meses, a entidade está experimentando uma profunda reformulação que começou pela reforma de suas instalações passando pelo acolhimento digno e humano àqueles que desejam mudar de vida.
 
No amplo salão, momento de lazer dos internos.
“A Fumares está aberta à comunidade. Qualquer pessoa pode vir aqui, nem precisa marcar hora. Pode ver com seus próprios olhos como os internos são tratados. Pode conversar com qualquer um deles, sem nossa presença”, assinalou o presidente Paulo Roberto Vieira da Costa. Técnico de telecomunicação por profissão, tem em seu currículo o trabalho social junto à comunidade católica da zona norte e a experiência de ter gerido o Projeto Vida Nova voltado aos dependentes químicos.
 
Nos quartos, roupas limpas e ambiente seguro.
Paulinho, como é conhecido, se emociona ao narrar as inúmeras histórias que presenciou. “Quando aqui cheguei o maior desafio era humanizar a Fumares. No meio de um monte de problema que tinha eu olhava o semblante dos internos e via a tristeza, o abatimento, percebia que não tinha vida”, recordou.

TRANSFORMAÇÃO

Ressaltando contar com o apoio do secretário Helio Benetti e do prefeito Vinicius Camarinha, o presidente da Fumares reuniu a equipe (monitores, motoristas, assistente social, psicóloga e cozinheiros) e estruturou o plano de salvamento da entidade criada para acolher os moradores de rua, resgatar-lhes a dignidade, providenciar a documentação necessária e encaminhá-los aos seus familiares para a vida em sociedade.
 
Bancos e mesinhas no pátio: espaço para convivência.
Apesar da determinação, a missão é das mais difíceis. Paulinho fala com tristeza das batalhas perdidas: “Muitos ficam aqui dois ou três meses, ficam sóbrios, conseguem os documentos e pedem para sair. Aqui, eles têm total liberdade. Podem ir embora à hora que desejarem. Infelizmente, muitos voltam para a bebida e as drogas. Em poucos dias, perdemos tudo o que conseguimos fazer nestes meses”.

Há casos de internos que estão pela quarta ou quinta vez na Fumares. O presidente assinalou que as rondas da Assistência Social percorrem as ruas de Marília e convidam os desabrigados para irem à Fumares ou ao Centro POP, no antigo Albergue São José. Alguns aceitam e são recebidos dignamente, com banho, roupas limpas e alimentação. Mas, muitos se acostumaram à vida errante, de estarem em um novo lugar a cada dia e se recusam a serem encaminhados.
 
Verdura orgânica: além da Fumares, produção vai para 32 entidades.
Paulinho fez questão de frisar que não se usa violência de qualquer tipo para recolher os andarilhos. “Se algum dia me pedissem para fazer uma coisa dessas eu iria para casa na hora”, observou, mostrando-se indignado pelas críticas que a entidade recebeu diante das denúncias de espancamento de moradores de rua. “Até de trabalho escravo nos acusaram”, disse, convidando a reportagem a conversar, livremente, com os internos sem a presença de funcionários.

TERAPIA OCUPACIONAL

Quem aceita a ajuda não tem tempo ocioso. Os internos se revezam na limpeza da instituição e na horta orgânica de onde sai uma produção capaz de atender a entidade e ainda fornecer legumes e verduras fresquinhos, toda semana, a 32 instituições entre asilos, creches, Casa do Pequeno Cidadão, associação de moradores que produzem sopão etc.
 
Elias entre o presidente Paulinho e o funcionário Rubens
Pela segunda vez na Fumares, Elias de Souza, 42 anos, é natural de Bauru e viveu nas ruas por tanto tempo que nem se lembra. Para ele, trabalhar na lavoura é a melhor parte: “Passa o tempo que a gente nem vê”. Ele elogiou a entidade e disse que nem dá para comparar com o período de privação passado ao relento.

Sem notícias da família, Edson de Oliveira Cavalcanti, 51 anos, chegou praticamente cego à entidade. Conseguiu a cirurgia de catarata e está em recuperação. Há 10 meses interno, ele agradece pela oportunidade de sair da rua que nem mesmo sabe por quanto tempo frequentou. Pouco antes do almoço de terça-feira ele se distraía vendo os colegas disputarem uma animada partida de sinuca enquanto jogava conversa fora com um companheiro de quarto. A vida está bem diferente agora.

NA SEMANA QUE VEM, DIA 24, VAMOS MOSTRAR O DIA-A-DIA DOS INTERNOS E OS AVANÇOS DA DIREÇÃO E FUNCIONÁRIOS DA FUMARES PARA RESGATAREM A DIGNIDADE DOS EX-MORADORES DE RUA.



4 comentários:

  1. Que beleza de trabalho !!!!
    Primeiramente, dou os PARABÉNS àqueles responsáveis por esta instituição preocupada com o bem estar do cidadão que, um dia, teve a tristeza de se enveredar pelo caminho das drogas e do álcool!!
    E em segundo, dou os meus PARABÉNS a você, Célia, que tão bem desempenha seu papel de jornalista, auxiliando à divulgação de tudo aquilo que é de interesse à nossa comunidade!!!!

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    1. Olá!
      Muito obrigada pelo seu comentário. Fico feliz que um tema controverso, como esse, seja lido sem preconceito no blog. Apareça sempre! Abraços

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