domingo, 24 de outubro de 2010

Ex-presidiário usa a cultura para afastar jovens do crime

Por Célia Ribeiro

Apresentação no "Dia das Crianças"
Era uma vez um menino pobre que passou a infância em orfanatos e a adolescência na ex-Febem (atual Fundação Casa), mergulhou no mundo do crime e pagou muito caro: 24 anos de pena cumpridos em presídios de São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro. Dos 50 anos de idade passou 32 atrás das grades. Mas, Ademar Aparecido de Jesus resolveu contrariar as estatísticas e hoje, reabilitado, mantém uma ONG que leva cultura e novas perspectivas aos jovens de Marília, no interior de São Paulo.

Cabelos longos, invariavelmente presos sob um lenço, camiseta regata que deixa à mostra suas tatuagens, Ademar é uma figura que não passa despercebida: articulado, fala rápido e despeja toda informação que consegue como se o relógio estivesse jogando contra. Mas, acima de tudo, tem uma postura de gratidão e enumera várias pessoas e empresas que acreditaram no seu sonho e ajudam a manter a ONG “Renovi” em pé.

Ademar, à esquerda, e instrutores de hip hop
Para contar essa história, é preciso voltar no tempo. Ademar não gosta de entrar em detalhes sobre sua vida pregressa. Conta, por exemplo, que foi sentenciado a 62 anos de prisão. Os crimes? Prefere falar que fez muitas coisas das quais se arrependeu e que na prisão resolveu se reinventar deixando a criminalidade no passado.

Ele cita a Pastoral Carcerária como o começo da virada. “Eu estava preso à matéria, mas nunca permiti que meu espírito se perdesse” afirmou para, em seguida, narrar sua trajetória. Autodidata, por 12 anos estudou Direito na penitenciária. Ajudou outros detentos nas suas defesas e foi monitor de aulas de digitação para os presos.

Exercitando sua liderança, Ademar chegou a trabalhar numa confecção instalada na prisão que produzia 20 mil peças por mês. O trabalho, a leitura e dois apoios foram determinantes para a guinada: seu advogado Rômulo Renan e o empresário Carlos Alberto Moreira, do Restaurante “O Forno”, passaram a visita-lo com frequência.

“O Carlão do ‘Forno’ é nosso grande apoiador. Ele ajuda com tudo, a começar pelo carro da ONG, ajuda no aluguel do prédio, com as sacolas plásticas onde levamos verduras, legumes e frutas para as famílias carentes e muito mais”, afirmou.

ONG RENOVI
Distribuição de alimentos na periferia
“Renovação para uma nova vida”. Essa é a proposta da ONG que funciona na Rua Paes Leme, 20, no antigo prédio da Rádio Clube de Marília, voltada aos jovens que participam das aulas de dança de rua (street dance e hip hop) e teatro. Pela cultura, a entidade mostra aos adolescentes opções saudáveis de diversão, longe do álcool e das drogas.

Ademar, que tem seis filhos e dois netos, adota uma postura de pai rigoroso. Não admite cigarro ou bebida alcóolica e ainda dá broncas nas meninas alertando-as “para se valorizarem e não se deixarem usar sexualmente pelos meninos”. Exigente, só aceita na ONG quem estiver estudando: “Tem que estar na escola, não adianta vir aprender dança de rua se está solto por aí”, pontua.

Silenciosamente, a ONG vai conquistando respeito. E os apoiadores começam a acreditar nos projetos sociais, como a distribuição de alimentos para famílias carentes. Todo sábado, o carro sai carregado de produtos distribuídos na periferia. Por isso, Ademar não cansa de agradecer o Wal-Mart, Dori, Bel, Marilan, Maritucs, Restaurante Geleia, Padaria Lavínia, Paulinho Palmital, o médico Sidney Gobetti de Souza, o secretário da Assistência Social, Clóvis de Mello e, claro, o “Carlão do Forno”.

Famílias acompanham as apresentações
Na parte cultural, cerca de 120 adolescentes participam dos cursos, inclusive a ONG integra o projeto “Agente Jovem de Cultura” desenvolvido pelo município em parceria com o governo federal, onde garotos e garotas de 16 a 24 anos são capacitados, durante seis meses, e recebem uma bolsa de 150 reais mensais.

Recentemente, a Secretaria Municipal da Assistência Social contratou a ONG Renovi para ministrar aulas de teatro e hip hop para os assistidos na Unidade XII da Casa do Pequeno Cidadão: “O Ademar faz um belo trabalho. Ele tem uma história de vida incrível”, afirmou o secretário Clóvis de Mello.

Segundo a monitora de dança de rua Elisângela (Negra Elis), o trabalho com os jovens já está fazendo a diferença. “Muitos meninos mudaram muito desde que começaram aqui. Isso dá pra ver de cara”, destacou.

E assim, com música, dança e, principalmente, solidariedade Ademar de Jesus está reescrevendo sua história. Com seu exemplo de vida ele mostra, sem hipocrisia, que dá para recomeçar e fazer um novo final. Depende de cada um.

* Reportagem publicada na edição de 24.10.2010 do "Correio Mariliense"

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